Ricardo K. afirma que as empresas estão pedindo prorrogação dos contratos antes de recorrer a medidas “mais fortes”
O cenário de economia do Brasil se agravou nos últimos dois meses, em função da pandemia de Covid-19. Com isso, os pedidos de recuperação judicial subiram 68,6% de abril para maio. Já as requisições de falência cresceram 30%, segundo afirma a empresa de informações de crédito Boa Vista.
O jornal Valor Econômico ouviu além do Ricardo Knoepfelmacher, sócio da RK Partners, outros especialistas em reestruturação de dívidas, birôs de crédito e bancos. Todos eles enxergam sinais que só crescem e podem levar o país a uma quebra recorde de companhias. Mas ainda é cedo para atribuir esses números exclusivamente à pandemia.
Recuperação judicial em meio à pandemia
Para a consultoria Pantalica Partners, ao menos 3.000 empresas deverão entrar com pedido de recuperação judicial, caso seja confirmado que o PIB caia 6% neste ano. Em 2016, 1.863 empresas solicitaram proteção contra credores na Justiça. Sobre isso, o sócio da consultoria, Salvatore Milanese, afirmou que, em média, uma empresa no Brasil “tem caixa para 60 dias de operação”. Portanto, esse prazo já passou.
Em contrapartida, as instituições financeiras e fornecedores, por exemplo, já estão prorrogando prazos de vencimentos de dívidas. Somado a isso, a taxa Selic em sua mínima histórica de 3% ao ano é um fator que pode ajudar neste momento de crise, a fim de manter parte das renegociações com credores sem intervenção do judiciário.
Empresas que já estavam em dificuldade
Os pedidos de recuperação judicial atingem mais as empresas que já se encontravam em dificuldade financeira, em virtude do baixo crescimento econômico dos últimos anos.
Mas isso não quer dizer que os sinais de crise provocados pela pandemia de coronavírus não estejam em evidência. Pelo contrário, nas pequenas empresas o índice é de 94,8% e no setor de serviços, 55,6%, em relação às solicitações de recuperação judicial captados pela Boa Vista.
Segundo Flávio Calife, economista-chefe da consultoria, os números de maio podem até demonstrar algum efeito da crise, porém, esse impacto só será visto mais adiante.
Em 2019, no mesmo período, a queda nos pedidos de falência foi de -91,9%, e de recuperação judicial, -40,3%. Atualmente, os pedidos aumentaram, em função das medidas de isolamento social, além do empresário de ter de avaliar o cenário para ver a necessidade de tomar uma atitude mais enérgica.
Opinião similar tem o economista-chefe da Serasa Experian, Luiz Rabi:
“Do ponto de vista econômico, o estrago já está feito, e muito. Isso vai aparecer daqui a alguns meses.”
Em março, Rabi já havia afirmado em nota enviada à imprensa que o movimento de alguns setores já era esperado e que deve ser uma tendência para os próximos meses.
Bancos e birôs de crédito
Os bancos devem prorrogar contratos de crédito de clientes que estão em dia com os pagamentos, com carência que pode variar de 60 dias a 180 dias.
Já os birôs de crédito deram até 45 dias de atraso para concretizar a negativação de inadimplentes, estimulando a renegociação entre as partes.
Banco Central
Para Rabi, a atitude do Banco Central em poder adquirir títulos privados, terá um efeito limitado, visto que dois terços da dívida corporativa brasileira vêm do mercado e não de instituições bancárias.
Thomas Felsberg, do escritório Felsberg Advogados, reforça que a compra de títulos pelo BC será restrita a grandes companhias, mas que pode ser positivo:
“Pode evitar a reação em cadeia que acontece quando uma companhia grande entra em recuperação judicial.”
As credenciadoras de cartões e executivos de bancos afirmam ainda não terem notado o aumento dos pedidos de recuperação judicial. Mas acreditam que isso aconteça mais para o final de 2020.
Os casos que surgiram até o momento são de empresas que já apresentavam dificuldades antes da pandemia e com faturamento anual inferior a R$ 1 bilhão. Caso o fato persista, será diferente de 2016, quando a crise e a operação Lava-Jato levaram uma série de empresas multibilionárias a procurar proteção da Justiça.
Para o momento atual, outra fonte acredita que os bancos estejam mais dispostos a renegociar dívidas fora dos tribunais, pois “aqueles processos de 2015-2016 não salvaram ninguém”.
Prova disso é que a Selic taxada hoje em 3% ao ano pode tornar mais viável para credores e devedores renegociarem contratos. Os investidores também estão mais dispostos a tomar riscos, como o crédito privado.
Sobre este cenário, Ricardo K, sócio da RK Partners, especializada em reestruturação de empresas, afirma que as grandes companhias estão pedindo prorrogação dos contratos antes de recorrer a medidas “mais fortes”. E também avalia que as solicitações de recuperação judicial vão aumentar bastante de agora em diante.
Um possível aliado das empresas em meio à pandemia de Covid-19 pode ser o projeto de 1.397/2020, que trata da suspensão automática das execuções judiciais de empresas na crise. O texto de autoria do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), aguarda agora decisão do Senado.
Fonte: Valor Econômico
*Foto: Divulgação