O Fundo Nacional da Cultura (FNC), principal mecanismo governamental de apoio direto a projetos culturais do Brasil, registrou uma forte queda em suas verbas liberadas em 2019, que foi o primeiro ano em que a pasta da Cultura foi rebaixada ao status de secretaria. No ano passado, foram apenas R$ 995 mil, o menor valor desde pelo menos o ano de 2009. Os dados foram obtidos pelo jornal O GLOBO via Lei de Acesso à Informação. Procurada, a Secretaria Especial da Cultura não se manifestou sobre o assunto.
FNC – queda da verba nos últimos 10 anos
O FNC é um dos três instrumentos da Lei de Incentivo à Cultura (a Lei Rouanet), principal estrutura de fomento a projetos artísticos no país. O programa recebe investimento do próprio governo, e a aplicação de recursos é realizada por meio de convênios, editais e premiações.
No atual governo, o FNC “é alvo de constantes contingenciamentos”, de acordo com o próprio site da Secretaria Especial de Cultura. Em 2018 (último ano do Ministério da Cultura), 66 projetos foram contemplados com um valor de quase R$ 17 milhões. Em 2019, somente sete iniciativas foram beneficiadas com os R$ 995 mil. Em 2010, ano em que o investimento chegou a R$ 344 milhões, haviam sido 461.
Visão dos especialistas
O GLOBO ouviu especialistas do setor, que disseram que o fundo tem por função complementar o mecenato, e que depende dos interesses das empresas patrocinadoras. Com isso, a verba se concentra em determinados tipos de obras culturais e regiões do país. Portanto, seu contingenciamento é visto cada vez mais como “uma decisão política”, afirma a advogada Cristiane Olivieri, que faz parte do Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais:
“O gestor público não conseguiu perceber a importância da manutenção e do fortalecimento do fundo para o desenvolvimento regional. Não é uma discussão de recursos, mas de prioridades do país.”
Ela também diz que “ao complementar o mecenato, o fundo seria uma alternativa natural de investimento em formação, nas pequenas produções e na regionalização”.
A advogada, que é autora do livro “Cultura neoliberal: Leis de incentivo como política pública de cultura”, indica que uma das principais receitas do FNC vem da Loteria Federal. No ano passado, esse valor teria sido de R$ 471 milhões. Porém, na prática, esse montante chega bastante reduzido à pasta da Cultura.
“O contingenciamento dos recursos desrespeita as regras de viabilização do FNC.”
Editais dos projetos beneficiados pelo FNC
O jornal carioca também teve acesso à lista de todos os projetos culturais, desde 2009, que fecharam convênio ou venceram editais e premiações beneficiados com dinheiro do FNC. Só neste período, foram 1.631 iniciativas.
Contudo, há 272 projetos em que não têm registro de valor liberado ou sequer constam como “cancelados” ou “excluídos”. Com isso, foram descartados deste levantamento. Os valores anteriores a 2019 foram corrigidos pelo índice IPCA, em que o mês de dezembro sempre é a referência dos respectivos anos avaliados.
Em 1991, foi criada a Lei de Incentivo à Cultura. Em um trecho descritivo diz que uma das finalidades do FNC é “estimular a distribuição regional equitativa dos recursos a serem aplicados na execução de projetos culturais e artísticos”. Porém, os dados revelam outro panorama.
Verba concentrada no Sudeste
Entre 2009 e 2019, foram liberados R$ 742 milhões para a Cultura, desse valor, 51% foram destinados à região Sudeste, especialmente para o estado de São Paulo. Na sequência aparece o Nordeste, com 22%, Centro-Oeste, 14%, Sul, 9%, e Norte, 4%.
Todavia, para a produtora cultural, Márcia Dias, é natural que o Sudeste receba mais recursos do FNC, por ser a região do país com mais projetos à procura de financiamento. No entanto, afirma ela, isso deveria ser um incentivo para o governo buscar uma utilização equilibrada da verba:
Para Márcia Dias, advogada e produtora cultural, é natural que o Sudeste receba mais verba do fundo, por ser a região com mais projetos à procura de financiamento. Entretanto, diz ela, isso deveria ser um estímulo para o governo buscar o uso equilibrado da verba:
“Isso não impede o governo de criar editais e premiações para o Norte, por exemplo.”
Já para o deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), que foi ministro da Cultura e secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, existe uma falta de “priorização das políticas públicas culturais” no país:
“Também existe uma progressiva deterioração das estruturas da Cultura que poderiam tratar deste tema de maneira mais séria.”
Fonte: O Globo
*Foto: Divulgação / Pritty Reis / Governo do Sergipe