Ailton Krenak é o primeiro indígena a entrar para a ABL, eleito para a cadeira 5, que estava vaga desde a morte de José Murilo de Carvalho
Uma das funções da Academia Brasileira de Letras é a de preservar o legado de figuras notáveis da nossa cultura. E Krenak está agora entre elas: ele ocupará a cadeira 5 da ABL, vaga desde a morte de José Murilo de Carvalho, em agosto. Contudo, trata-se do primeiro indígena a figurar no quadro de acadêmicos, mostrando que a academia vem se abrindo aos pedidos por diversidade nos últimos anos.
Escolha de Ailton Krenak
Favorito desde o início, Ailton Krenak recebeu 23 votos, superando a historiadora Mary Del Priore (12 votos) e outro representante indígena, o escritor Daniel Munduruku (3 votos). Ao contrário dos seus concorrentes, o novo imortal não fez campanha, ficando a maior parte do seu tempo na Reserva Indígena Krenak, no município de Resplendor, no estado de Minas Gerais.
Krenak é Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora e ocupa a cadeira 24 da Academia Mineira de Letras. Nascido no vale do rio Doce, região afetada pela atividade de extração mineira, mudou-se para o Paraná aos 17 anos, onde se alfabetizou.
Após participar da fundação da União Nacional dos Indígenas (UNI), o primeiro movimento indígena de expressão nacional, ele comoveu o país com um discurso na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, em que pintou o rosto com a tinta preta de jenipapo em protesto ao retrocesso dos direitos indígenas.
Seu apelo na época foi fundamental para a aprovação da emenda constitucional que trata dos direitos dos povos originários.
Livros
Em relação ao sucesso de seus livros mais recentes, como “A vida não é útil” e “Ideias para adiar o fim do mundo”, ambos publicados pela Companhia das Letras, difundiu o pensamento ameríndio para o grande público, propondo novos modos de vida e maneiras de se relacionar com o meio ambiente.
Humanidade zumbi
Krenak critica o que ele chama de “humanidade zumbi”, uma ideia de progresso que deslocou os homens do corpo da terra e nos levou o consumo desenfreado e à destruição da natureza.
“Quando eu falava há uns 10 anos, com exceção dos antropólogos, ninguém entendia o que eu estava falando”, diz o membro da ABL. “Achavam que eu via filme de ficção-científica demais.”
Mudanças climáticas
Já em relação às mudanças climáticas, o tema tem dado atenção a vozes como a do líder indígena. No entanto, Krenak evita personalizações em suas entrevistas e aparições públicas. Seu desejo, diz, não é promover suas ideias, mas um “pensamento coletivo”. Não tem sido diferente em meio a chuva de homenagens aos 70 anos do pensador indígena, completados no último 29 de setembro.
“Eu acho ótimo que as pessoas me celebrem, mas no âmbito doméstico. Os filhos, os netos, entendeu? Essa celebração nas mídias me parece mais um entretenimento do que um afeto verdadeiro. Somos uma comunidade de agregados celebrativos, celebramos tudo, até aniversário do país. A gente trata mal os que estão presentes e celebra os que se foram.”
Herança cultural
Por fim, foram as mensagens do sonho de um ancião sonhador do povo Xavante, nos anos 1970, que estimulou Krenak a se reconectar com sua herança cultural e iniciar suas ações pela sobrevivência da floresta. Também inspirou a criação, em 1989, do Centro de Pesquisa Indígenas, que mudou as atividades de Krenak. Todavia, os sonhos atuais do líder indígena pode levá-lo a novos caminhos.
“Os sonhos estão me levando para um lugar cada vez mais longe dessa terra. Sem me dar nenhuma tarefa ordinária, tipo organizar uma associação ou um movimento, coisas que me envolveram por 50 anos da minha vida. Eu também não quero ficar apresentando folha de serviço. Aliás serviço. é a coisa que menos me interessa.”
Krenak conclui: “Somos efêmeros. Pisar suavemente na terra deveria ser uma guia geral.”
*Foto: Reprodução/Instagram Oficial Ailton Krenak