Enquanto isso, a construção de um museu para preservar a memória de João Cândido aguarda há dez anos para inaugurar
No enredo “O mestre-sala dos mares”, de Aldir Blanc e João Bosco, o trecho “Um bravo feiticeiro a quem a história não esqueceu”, a canção se refere ao marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata. O embate colocou fim aos maus-tratos sofridos pelos homens do mar no começo do século 20. Com isso, a luta pela preservação da memória do Almirante Negro, que inclui o imbróglio com a construção de um museu em sua homenagem, ganhou mais um reforço: um mural assinado pelo projeto Negro Muro. Sendo assim, na fachada da cada onde Cândido viveu, em São do Meriti, na Baixada Fluminense, é possível contemplar o projeto de arte urbana.
Arte urbana sobre João Cândido
A obra artística está localizada na rua Turmalina, no bairro Coelho da Rocha. O painel ocupa todo o muro do último endereço de João Cândido e faz uma alusão a cenas do levante.
Revolta da Chibata
Em 1910, revoltados após um deles ser castigado com 250 chibatadas, marinheiros tomaram um navio e ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro. João Cândido foi quem redigiu a carta na qual os revoltosos exigiam dos comandantes o fim dos castigos. Com isso, ele acabou sendo preso e, depois, expulso da Marinha ao lado de outros envolvidos no movimento.
Museu em sua homenagem
Com o intuito de não esquecer a memória do Almirante Negro, a Prefeitura de São João do Meriti trabalha na construção da sede do Museu Marinheiro João Cândido. O acervo será instalado de modo provisório no Centro de Referência de Direitos Humanos, em Vilar dos Teles. Depois de uma década sem que o projeto saísse do papel, as obras finalmente começaram no ano passado. Mas ainda estão bem longe de serem concluídas.
História do Almirante Negro
João Cândido teve 11 filhos e o único ainda vivo é seu caçula, Adalberto Cândido, mais conhecido como Seu Candinho. Em 2020, após uma semana internado numa UTI, o aposentado foi morar com uma filha na casa que pertencera a seu pai. Aos 82 anos, ele se diverte entre a emoção pelo painel que agora enfeita a fachada e o medo de não ver o museu finalizado.
Ao jornal O GLOBO, ele afirmou:
“Meu sonho é cortar a fita, mas está demorando muito. Comecei a trabalhar aos 14 anos. Estou vivendo a minha vida, mas um pouco cansado. Meu pai é um herói do povo. É um exemplo de dignidade, de caráter, perseverança. Ele, em si, nunca levou uma chibatada, mas não admitia que o companheiro fosse para o pelourinho ser chicoteado pelo algoz. Ainda quero viver para vê-lo ser oficializado como herói nacional.”
O museu está sendo construído na Casa do Embaixador, prédio histórico, situado no bairro Vila São José. Ele deverá contar com biblioteca, centro de documentação e quadra poliesportiva. De acordo com a Prefeitura de São João de Meriti, o projeto está dividido em três fases: obras do entorno, reforma do casarão e melhoria na via de acesso.
Por enquanto, apenas primeira etapa foi concluída. Já as obras na casa estão em fim de licitação, com previsão de começarem ainda no primeiro semestre deste ano. Os R$ 725,8 mil necessários à reforma do edifício sairão dos governos federal e municipal.
Em relação ao início das obras no casarão, a prefeitura afirmou que dependerá da Caixa Econômica Federal. A terceira fase deverá ser entregue em até seis meses depois do início da segunda.
Idealizador do Negro Muro
Para Pedro Rajão, idealizador do Negro Muro, o mural em homenagem a João Cândido foi uma forma encontrada pelo grupo para cobrar da Prefeitura de São João de Meriti a finalização da obra do museu.
“A gente espera que esse mural seja parte de um processo de exaltação da memória de João Cândido, um dos nossos maiores heróis nacionais, assim como o museu. Queremos que Seu Candinho possa ver mais esta homenagem em vida.”
Oportunidade de democratizar o acesso da Baixada à cultura
Em contrapartida, Frei Tatá, um dos primeiros apoiadores do projeto do Museu para o Almirante Negro, e hoje superintendente de Igualdade Racial de São João de Meriti, o espaço será uma oportunidade de democratizar o acesso da Baixada à cultura e de fomentar narrativas sobre grandes personalidades negras de nossa história:
“A gente espera ter um aparelho que não sirva só para São João. Será um espaço para falar às crianças da Baixada sobre a história afro-brasileira com mais propriedade, como dispõe a Lei 10.639, e para se conectar à história de João Cândido. Se pararmos para pensar, ele está muito mais próximo de nós que outros heróis negros, como Zumbi dos Palmares. Nós ainda temos a possibilidade de conversar com o filho dele, uma pessoa com quem ele conviveu. Isso é muito rico.”
Painel
O painel em homenagem ao Almirante Negro é a 13ª obra do projeto Negro Muro, que ilustra paredes das ruas do Rio de Janeiro com os rostos de personalidades negras desde 2018. De acordo com Rajão, as próximas obras serão dois painéis dedicados à Elza Soares e ao escritor Cruz e Sousa, respectivamente em Água Santa e no Encantado, bairros da Zona Norte. A previsão é de que os murais estejam concluídos até março.
*Foto: Divulgação/Brenno Carvalho/Agência O Globo